“Quem escreverá a história do que poderia ter sido
o irreparável do meu passado;
Este é o cadáver.
Se a certa altura eu tivesse me voltado para a
esquerda, ao invés que para direita;
Se em certo momento eu tivesse dito não, ao invés
que sim;
Se em certas conversas eu tivesse dito as frases
que só hoje elaboro; Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria
insensivelmente levado a ser outro também."
Fernando Pessoa
Minha reflexão não é nova,
bem acho que não existe nada novo no mundo, a gente sempre recebe um estimulo
de algo que ouviu, viu, leu, uma mensagem que foi passada, um pensamento já
pensado. Eu não digo nada novo. Muitas pessoas já falaram sobre o que eu quero
refletir com muita propriedade e quem sabe muito melhor do que eu. Não sou Frei
Betto e nem Ricardo Gondim.
Esse pensamento, foi bem
elaborado em uma mensagem de Caio Fabio (outro que escreve de forma excelente e
que nem poderia me comparar), ou seja, de se estar preso em algum lugar do seu
passado.
Para usar de forma mais
literal seu pensamento, de se estar no tempo presente, mas, a alma estar no
passado. Presa a sensações, a traumas, a sentimentos, a fatos acontecidos sejam
eles bons ou maus que nos mantêm paralisados em algum lugar do passado de tal
forma que não vivemos, como bem disse o Caio, a Graça do presente.
Nesse momento que estou
escrevendo, olhando para trás, vejo quantas prisões me mantêm emocionalmente
presa ao meu passado, impedindo que viva a Graça do hoje.
É interessante, porque quem
lembra do relato dos discípulos no caminho de Emaús, já é domingo, Jesus ressuscitou,
está ali com eles, mas, eles estão presos na sexta-feira, no dia de sua morte. Só
depois de vê-lo partir o pão e que seus olhos se abrem e se apercebem que Ele
estava ali o tempo todo.
Ao ver partir o pão seus
olhos foram abertos e O conheceram (Luc. 24.30-31), assim retirados do seu
passado os discípulos puderam ver a Graça do hoje, Cristo vivia e vive.
Viver no passado é uma
escolha. Pode ser cômodo viver no passado, porque lamentando ou culpado o
que já foi não se enfrenta o que se é hoje. Pense comigo: eu não preciso me esforçar
para enfrentar o dia de hoje e cada dia de hoje com seu mal, porque eu vivo a
lamentar e culpar meu passado em que estou presa pelo dia de hoje. Quando
chegar amanhã, lamentarei novamente o dia de ontem, onde nada fiz para mudar,
culpando minha paralisia pelo meu passado. E assim vivemos num círculo vicioso
em que o passado, esse peso morto, essa bola de toneladas acorrentada aos
nossos pés não nos permite andar.
Mas, não apenas, andar ou
fazer. Também não nos permite ouvir. Nós não ouvimos, assim como não vemos com
nossos ouvidos ou olhos, mas, com nossa alma. Tudo o que você vê e ouve, passa
pela sua alma e se ela estiver presa no passado você verá, ouvirá e compreenderá
todas as coisas por esse passado e não por este presente.
Quantas coisas você viu e
ouviu que eram hoje e compreendeu como ontem? Como ontem da rejeição, do
abandono, dos maus-tratos, dos abusos, das traições, das derrotas, dos seus próprios
erros, das humilhações, das desilusões, das decepções por vezes tão amargas.
Por vezes lidamos com
pessoas ao nosso redor que vivem eternamente ontem e por outras nós mesmos
somos os que vivemos no ontem.
Quero chamar atenção para os
discípulos de Emaús mais uma vez que pelo caminho falando do ontem, não percebem
Jesus falando do hoje, mas os seus olhos são abertos “no repartir do pão”.
O repartir do pão é “o corpo
que é partido por vós”, é a Graça inefável, incomparável, sem preço, do nosso
resgate de condenação espiritual e do resgate do nosso passado seja ele qual
for.
O que quer que tenha sido
ontem: o “corpo partido”, “o sangue vertido”, a “ressurreição”, a Graça escandalosamente
louca de Deus nos resgata completamente, nos pacifica, nos cura, nos restaura.
Ela obviamente envolve
perdão, porque a Graça nos perdoa incondicionalmente e nos convida a perdoar incondicionalmente
aos outros e até a nós mesmos. Sim, porque por vezes somos algozes tenazes de
nós mesmos. Sem perdão estamos em prisões. (Mateus 18. 33-35)
Mas, a Graça solta nossas cadeias
por mais antigas, fortes, impossíveis que imaginamos ser, a Graça de Cristo nos
liberta. Porque a Cruz também é libertação. O “pão partido por vós” é
libertação da condenação e da morte em que vivíamos, para liberdade e vida, das
trevas em que nos afogávamos para o mergulho na limpidez da Luz de Deus!
Por isso Paulo podia dizer:
“Mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e
avançando para as que estão diante de mim. Filipenses 3. 13b”
Paulo sabia o que era o
passado dele: perseguidor, assassino dos irmãos, depois perda de status com sua
conversão, prisões, lutas, cadeias, maus-tratos, perseguições implacáveis eram
a vida desse servo de Deus, mas, inundado pela Graça, ele deixava tudo para trás
para seguir adiante, vivendo o hoje em Cristo construindo o futuro com Cristo.
No caso especifico deste texto, Paulo prosseguia para o prêmio da soberana
vocação: estar com Cristo afinal.
Não existe formula magica,
não existe um “encontro”, “uma unção”, “uma oração”, “uma campanha”, “uma
novena”, “uma cobertura espiritual”, “uma benção de um ungido” …Desculpe lhe
decepcionar não existe caminho fácil para quem caminha com Cristo. Nem pra você
e muito menos pra mim!
É preciso conscientizar-se
de que se está no passado e consciente de que estamos nele, reconhecer o que nos
prende à ele, com a ajuda do Espirito Santo de Deus que traz a luz TODAS as
coisas. Perdoar, perdoar, perdoar, perdoar, perdoar, perdoar…perdoar-se...
Reconhece-ser-mo-nos incapazes
de nos curar e levar diante de Deus nossa prisão, nossas correntes que tão
firmemente nos prendem e permitir que a Graça “do pão partido” abra os nosso
olhos e vejamos o hoje.
O hoje que é de ressurreição,
da morte vencida, da esperança, da vida abundante, da Graça Inefável, da
Maravilhosa Luz em que somos mergulhados pela fé em Cristo, Àquele que partiu
seu corpo e derramou seu sangue para nos libertar!
Que possamos fazer nossa a
oração de Ezequiel: “Senhor, por estas coisas se vive, e em todas elas está a
vida do meu espírito, portanto cura-me e faze-me viver.” (Isaías 38. 16).
Que o Senhor assim nos traga
para o dia de HOJE em sua terna Presença.
n’Ele que HOJE VIVE
Candida Maria /2015
A sua percepção desta realidade em nossas vidas, ou seja, a contingência humana adâmica, além de pertinente e profunda, tem uma visão filosófica interessante.
ResponderExcluirAo ler e pensar na minha vida, fiquei me perguntando se, e onde, eu estou vivendo preso as coisas passados, esquecendo-me de vivenciar e experimentar o presente em sua totalidade.
Parabéns pelo artigo...