«a missa é como um poema, não suporta enfeite nenhum».
Adélia Prado
“Há dias em que a vida não aceita enfeite algum.” Pe. Fabio
de Melo
Ontem fui instigada pela frase de padre, mas, pesquisando
pela internet parece que encontrei o seu original sentido. Sim, concordo com
Adélia, o culto é um poema, não precisa de enfeites, porque no momento em que
se cultua um ser finito tenta transcender em atos e palavras um Ser Infinito. O
culto é tocar no intocável pela fé. Sim ela está certa, essa barulheira doida,
essa gritaria surtada, esse “deboche” com o sagrado, faz a gente ter vontade de
sair da igreja e procurar um lugar para orar.
Perdeu-se a reverencia, o coração compungido, o
quebrantamento, a noção de quem somos e de quem Deus é. Perdeu-se o valor do
silencio, da contemplação do Eterno, perdeu-se a habilidade de ouvir o
sussurrar do Espírito Santo, o vento que sopra onde quer. Perdeu-se. Culto
virou show, entretenimento, algo para ser ver e se sentir bem e não um poema de
gratidão para Deus. Ou como dizia meu pastor, Osíris Marques, um beijo na face
de Deus.
Adélia está certa, o culto não precisa de e nem suporta
enfeite algum porque em si o cultuar é um poema flagrante, vivido
cotidianamente, pois, estamos sempre em culto a Deus, pois Ele é e nós nele
somos. Como discordar da sapiência de Adélia Prado?
Mas, repenso no que o padre escreveu talvez instigado pelo
pensamento de Adélia. Enfeitamos nossa vida? Se a enfeitamos de que a
enfeitamos?
Nossos enfeites podem ser diversos, brilhantes, caros,
simples, bizarros…Podemos enfeitar nossa vida de doces mentiras e fantasias.
Talvez haja aqueles que enfeitem sua vida do poder, nossa esse enfeite é
maravilhoso! Poder. Mas, poder não se traduz apenas em dinheiro, há o poder
carismático do político, do líder religioso, que cega completamente os que o
seguem. Há o poder da sedução e da beleza (também concordo com o Jô que na foto
do CD Solo Sagrado o padre está com um olhar absolutamente sedutor soprando
encantos de ouro para seus fãs), o poder da fala, o poder da força bruta, o
poder do cantar, da arte, da inteligência, a intelectualidade (poder que me
fascina) e por fim o poder do dinheiro.
Outros podem parecer inocentes, quem sabe seu enfeite é um
amor para amar por toda vida, uma família bonita, um filho querido, por quem
você não abriria mão por nada nesse mundo e quanto mais viajamos para dentro da
nossa alma encontraremos enfeites os mais diversos. Quem sabe o homem lindo que
me fará sentir a mulher fatal? Quem sabe enfeite minha vida em realizar meus
desejos carnais mais supremos? Ou projetos humanitários, solidários, atos de
caridade que possam fazer minha vida mais bonita aos olhos dos outros.
Mas, e no dia em que a vida, como diz o poema de Adélia,
assim como o culto e a missa, não suportar enfeites? Por ser ela também tão
absoluta em si. Será que nesse dia ruiríamos completamente, nos afogaríamos em
um silencio depressivo, nos despediríamos da vida pelo suicídio porque chegou o
momento de nus contemplarmos o nosso silencio?
Retorno para Adélia, só pode prestar o culto-poema, aquele
que não enfeita mais a vida, mas transformou a vida em poema.
No dia em que a vida vira poema escrito por Deus, não há
mais enfeites para adornar, para esconder a feiura, para realçar, para iludir.
Porque a vida-poema suporta o silencio, a singeleza, a
liberdade, a contrição, o reconhecimento Daquele que É e de quem somos diante
D’Ele. A vida –poema vive de Graça porque ela sabe que si mesma nenhum poema
produzirá a não ser cardos e abrolhos, mas, a Graça derramada em nós,
implantada pelo Reino de Deus escreve um poema de louvor, de amor, de
misericórdia, de fé inabalável (como a de Abraão que creu até contra a
esperança). A vida-poema toca o Outro com a Graça, acolhe o Outro, ama o inimigo.
A vida-poema é encontro. A vida-poema é oração incessante, incenso de cheiro
suave no altar de Deus.
Por isso tem se perdido o culto como poema, a missa como
poema, e eles passaram a ser enfeitados, porque as vidas das pessoas estão
enfeitadas e decorre que elas enfeitam o culto ou a missa para não ter que
lidar com o poema, o mistério, o encontro, ficar face a face com Deus, sem
histeria, sem mentira, em profunda nudeza da alma e do espirito…e descobrir que
os enfeites não são poemas e então não há poema só enfeite.
A vida é um poema que não suporta enfeites, vou parafrasear
Adélia Prado, com toda humildade de quem se sabe aquém de seu saber. A vida –
poema é escrita no coração e no despir-se dos enfeites para que nada mais haja
a não ser Cristo, o Senhor, Aquele que nos faz perfume, Aquele que nos faz
cartas e poemas ao mundo.
Quando nossa vida for esse poema divino o culto se tornará
poema, mistério, encontro e cotidiano porque N’Ele somos.
Em Cristo
Poema nosso
Cândida Maria
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