Era um porto sem muito luxo.
Quando o construtor começou a fazer um porto naquele local, ninguém acreditava
que um dia poderia ser um porto seguro. Pedras perigosas, correntezas e ondas
furiosas.
Mas, o construtor insistiu,
e com o tempo foi construindo passo a passo o porto. Nas pedras ergueu um farol
que nas noites chuvosas, nubladas, avisava do perigo e também que havia lugar
seguro para aportar.
Nas pedras, duras,
escarpadas, com o tempo nasceram flores que só nascem entre pedras, finas,
delicadas, ao mesmo tempo fortes e desafiantes. E tudo era paz.
Barcos, veleiros, navios,
podiam aportar ou fundear na baía do porto e ficar em segurança. Um navio
aportara no porto, ali já estava a muito tempo, encontrara ali sua segurança e
não havia porque singrar os mares. Mares que singrara em perigos, tempestades.
Quando chegara no porto precisou de muitos reparos. O porto fez tudo.
A presença do navio também
fez o porto se aperfeiçoar, fortaleceu seu farol, as suas fundações, controlou
melhor as correntezas e quase não haviam ondas revoltas batendo nas pedras,
agora coberta de flores teimosas.
Um dia vindo de longe o
porto avistou um barco, parecia bastante fustigado da viagem, fundeou na baía,
mas, não aportou. O porto ficou a observar. Sim, como precisava de cuidados
aquele barco. Aos poucos o barco se aproximou, devagar, relutante, receoso....
O porto via a aproximação a
princípio mais um barco como tantos que precisavam de pouso, repouso e
cuidados.
Então surpreendidos, barco e
porto descobriram algo aterrador. Para o barco havia um lugar para ancorar, um
lugar que era somente dele e de mais ninguém, feito a sua medida, perfeita
medida. O porto descobriu que todas as obras feitas nele haviam sido para
abrigar aquele barco.
A paz deixou o porto.
Correntezas antigas começaram a reaparecer, as ondas batiam confusas nas
pedras, onde estranhamente novas flores nasciam, cheias de delicadezas. O farol
estranhamente fortaleceu sua luz. Lugares onde não haviam mais flores, mortas
pelo tempo vira brotar novas espécies.
Mas, a paz abandonou o
porto. Ele aterrorizado em descobrir que aquele navio era o navio para quem ele
havia sido feito recusava-se a aceitar. Já ancorara um navio, há tanto tempo,
como poderia isso agora?
O barco apavorado em
descobrir seu porto seguro, construído para si, recusava-se a ancorar e bateu
em retirada rumo a baía onde fundeado ficava perto e longe, e podia vislumbrar
outro porto, de onde havia se desprendido na tempestade e queria voltar e nele
sim ancorar.
Eis o dilema do porto e do
barco. Feitos um para o outro através dos tempos pelo construtor, há lugar para
ancorar, mas, um navio ali já está. E tudo o que o porto quer é que o barco
ancore.
O barco diz não querer
ancorar porque seu porto seguro mesmo é de onde ele se desprendeu e para onde
voltará.
O porto aceitou. O que há
para fazer? O barco volta ao seu antigo porto. O porto ancora seu navio de
tantos anos.
O porto está triste. A
correnteza parou, e ondas já não batem. As flores teimosas floresceram mais
teimosamente ainda e o farol se iluminou mais. Acho que o porto quer esconder o
lugar vazio.
O barco, não sei…o que será
que se passa no barco ao voltar para o porto que se desprendeu? Ele tem medos e
receios. Isso eu sei. Mas, me pergunto: depois de ter visto o porto onde é o
seu lugar achará o barco lugar?
Agora que sabe que o barco
para quem foi construído como vivera o porto com esse vazio.
Então, cada um do seu jeito
inventou uma mentira para se proteger e não correr o risco de que a correnteza,
maior que eles, os façam ancorar e ser ancoradouro. O porto mentiu e disse que
o navio que ali ancorado estava era seu tudo, afinal, se ele era aquele porto,
só o era, porque o navio ancorara ali e não tinha lugar para ir.
O barco então disse que se
não houvesse o porto do qual se desprendera na tempestade, era ali que ficaria
para sempre. Mas, havia o porto e ele voltaria para lá, porque nele havia
achado o seu lugar, todo abrigo e proteção. E ele voltou.
E o porto ficou.
E eles mentiram um para o
outro e mentiram para si. Porque cada dia que se passava eles eram ancora e
ancoradouro. E cada vez que ficavam longe, mais sabiam que eram. E para não
enfrentar a verdade escondiam-se atrás do navio ancorado e do antigo porto
deixado. Era mais fácil.
Mentiram tanto que
acreditaram na mentira. Até quando? Não se sabe. O porto se conformou, seguiu
fazendo o que sempre fez. Triste, mas, continuou. O lugar do barco continua
lá...ali é o seu lugar.
O barco refaz sua viagem,
espera e conseguira ancorar em seu antigo porto. E pensa: será feliz!
Mas depois de ter achado o
seu ancoradouro poderá o barco achar outro lugar? Depois de ter preenchido o
lugar com o barco que ali deveria estar, poderá o porto outro abrigar?
Dilema.... Pensa o porto que
levará para a vida toda aquele lugar vazio. Sobre o que pensa o barco o porto
não sabe...talvez daqui há algum tempo nunca mais se lembre daquele porto que o
abrigou após a tempestade.
As vezes o porto inventa uma
mentira para si e acredita que tem mais significado do que o porto anterior,
mas, ele sabe que não tem…lá no fundo ele sabe. Por isso ele silenciou.
O barco retorna e será
feliz, seguro, ancorado, amparado, como sempre quis do porto que se desprendeu.
Sempre lembrará com carinho do porto passageiro. Só nunca poderá lhe retribuir
o amor que ele lhe ofereceu.
Cândida Maria
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