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quarta-feira, 25 de março de 2015

UM DEUS DA CIDADANIA?



É costume creditar a ideia de cidadania na antiguidade aos romanos e gregos, historicamente os primeiros a definirem de forma jurídica o status de cidadão. Contudo, o primeiro povo a ter uma legislação que ordenasse as relações sociais e buscasse a inclusão foram os Hebreus.

Jaime Pinsky em seu livro História da Cidadania mostra-nos no capitulo intitulado Os Profetas Sociais e o Deus da Cidadania como o povo hebreu através do Deuteronômio e dos Profetas mostram a preocupação com a equidade social e principalmente com os mais necessitados do grupo.
O próprio caráter da formação do povo hebreu passando pela escravidão de quatrocentos anos no Egito propicia uma formação diferenciada de outros povos.

Credita-se aos judeus a disseminação do monoteísmo, mas, sabe-se que outros povos também praticavam em tempos diversos a adoração monoteísta. Contudo, o Deus adorado pelos judeus tinha um diferencial dos que eram adorados na mesma época. Para além dos sacrifícios costumeiramente feitos, celebrações, esse era um Deus que exigia uma vida ética. Para ele nada adiantava os sacrifícios se não fosse consequência de uma vida ética, principalmente no cuidado com o pobre.

“A doutrinação dos chamados profetas sociais estabelece os fundamentos do monoteísmo ético, que é, por sua vez, a base das grandes religiões ocidentais (cristianismo e islamismo, além do judaísmo) e se constitui, provavelmente, na primeira expressão documentada e politicamente relevante (até por suas consequências históricas) do que poderíamos chamar de pré-história da cidadania.” ( Pinsky, 2006, 17)

O Deus tribal que vencia as guerras era, também, o Deus que exigia uma vida reta e que punia severamente a atitude de indiferença em relação aos seus semelhantes. O Senhor Jeová demonstrar sua preocupação não apenas 5 com a santidade de seu povo, mas que, essa santidade se refletisse em relações mais justas entre os homens. Desta forma o Deus hebreu foi uma das primeiras divindades, talvez a única a preocupar-se com a cidadania e estabelecer as bases para seu exercício, como forma de virtude do homem reto.

Na lei acerca da justiça, Deus ordena ao povo de Israel: “Não perverterás o direito do teu pobre na sua demanda”. Êxodo 23. 6.
O homem justo, cumpridor da lei, era aquele que não praticava nem o roubo, a usura, a cobiça e se responsabilizava pelos pobres da sua terra, não se esquecendo de lhes fazer justiça e não lhes pervertendo o direito.
Para garantir que não houvesse fome entre os necessitados e estrangeiros, Deus determina a Lei da Rebusca: “Quando também fizerdes a colheita da vossa terra, o canto do teu campo não segarás totalmente, nem as espigas caídas colherás da tua sega. Semelhantemente não rabiscarás a tua vinha, nem colherás os bagos caídos da tua vinha; deixa-los- ás ao pobre e ao estrangeiro. Eu sou o Senhor vosso Deus”. Levíticos 23. 9-1. O dono das terras deveria colher somente aquilo que lhe fosse necessário e não se esquecer de repartir sua colheita com aqueles que não possuíam terras e necessitavam de comida.

No Êxodo, mais propriamente no decálogo, os quatro primeiros mandamentos versam sobre o relacionamento entre Deus e os homens (os seis últimos entre o homem e seu próximo). Os seis últimos mandamentos poderiam ser resumidos como a garantia de que um não irá desapropriar o outro, seja em suas propriedades, seja em suas relações afetivas. A expropriação, a opressão, a cobiça desmedida em possuir mais do que aquilo que se pode viver é condenada no decálogo e é quebra dos mandamentos de
Deus. Uma consequente quebra dos quatro primeiros mandamentos, porque ninguém que viva os quatro primeiros mandamentos, poderá deixar de viver os seis últimos. Seria hipocrisia.

Na legislação social que regia a vida em sociedade de Israel, o Deus
Hebreu se apresenta como um Deus da Cidadania observemos a sua preocupação em instruir Moisés sobre a garantia do direito de todos, principalmente do pobre, do estrangeiro e da viúva. Como citados acima, vale 6 lembrar a lei de remissão, quando ao sétimo ano, do uso de terras por dívida, o judeu era obrigado a devolver a terra aos seus donos: “Guarda-te, que não haja palavra perversa no teu coração, dizendo: Vai-se aproximando o sétimo ano, o ano da remissão; e que o teu olho seja maligno para com teu irmão pobre, e não lhe dês nada; e que ele clame contra ti ao Senhor, e que haja em ti pecado”. Deuteronômios 15.9

Em Rute 3. 8, encontramos, também, a prática da Lei do Remidor, para o amparo da viúva sem descendente, a Lei da Vinha idêntica a Lei da Rebusca, a Lei da Remissão do escravo após sete anos (Deuteronômio 15); a alforria
(Deuteronômio 15.12), leis diversas sobre o relacionamento em sociedade
(Deuteronômio 23.11-25) e a Lei da Herança das filhas (Números 36).
Os livros poéticos, Salmos e Provérbios, nos dão conta do caráter do
Deus da Cidadania.
Observe os seguintes textos:
“Tu o viste, porque atentas para o trabalho e enfado, para o retribuir com tuas mãos; a ti o pobre se encomenda; tu és o auxílio do órfão. Salmos”. 10. 14
“Compadecer-se-á do pobre e do aflito, e salvará as almas dos necessitados”. Salmos 72. 13
“Fazei justiça ao pobre e ao órfão; justificai o aflito e o necessitado”. Salmos 82.3
“Pois se porá à direita do pobre, para o livrar dos que condenam a sua alma”. Salmos 109.31
“O que oprime o pobre insulta àquele que o criou, mas o que se compadece do necessitado o honra”. Provérbios. 14.31
“O que escarnece do pobre insulta ao seu Criador, o que se alegra da calamidade não ficará impune”. Provérbios 15.5

Os profetas sociais iniciam sua pregação com a condenação do povo de
Israel ao cativeiro. São eles os denunciantes de que o povo havia se afastado da ética social e passara a oprimir o pobre e perverter o direito. Isso mesmo, uma noção de direito assegurado se fazia presente em toda legislação deste povo, que se iniciou no século VIII a.C e se estendeu até o período do profetismo. 7
Observemos a coletânea de falas dos profetas que demonstram isso para nós.
Do profeta Isaías: “Ai de vocês que adquirem casas e mais casas, propriedades e mais propriedades, até não haver mais lugar para ninguém e vocês se tornarem os senhores absolutos da terra!” (Is 5.8, NVI).
Do profeta Jeremias: “Ai daquele que constrói o seu palácio por meios corruptos, seus aposentos, pela injustiça, fazendo os seus compatriotas trabalharem por nada, sem pagar-lhes o devido salário” (Jr 22.13, NVI).
Do profeta Ezequiel: “Você empresta a juros, visando lucro, e obtém ganhos injustos, extorquindo o próximo... Mas você me verá batendo as minhas mãos uma na outra contra os ganhos injustos que você obteve e contra o sangue que você derramou” (Ez 22.12,13, NVI)
Do profeta Amós: “Vocês estão transformando o direito em amargura e atirando a justiça ao chão... impedem que se faça justiça aos pobres nos tribunais” (Am 5.7, 12).
Do profeta Miquéias: “Ai daqueles que... cobiçam terrenos e se apoderam deles; cobiçam casas e as tomam... Vocês deveriam conhecer a justiça!
Mas... arrancam a pele do meu povo e a carne dos seus ossos... Os ricos que vivem entre vocês são violentos” (Mq 2.1,2; 3.1,2; 6.12, NVI)
Do profeta Naum: “Ai da cidade sanguinária, repleta de fraudes e cheia de roubos, sempre fazendo as suas vítimas!” (Na 3.1, NVI)
Do profeta Habacuque: “A destruição e a violência estão diante de mim; há luta e conflito por todo lado. Por isso a lei se enfraquece e a justiça nunca prevalece. Os ímpios prejudicam os justos, e assim a justiça é pervertida...
Ai daquele que obtém lucros injustos para a sua casa, para pôr seu ninho no alto e escapar das garras do mal!” (Hc 1.3,4; 2.9, NVI.)
Esses profetas ao tomar nas mãos a bandeira dos pobres foram grandes revolucionários, na crítica moral e ética que faziam ao Israel de seu tempo, tentavam regressar a um passado idealizado de relações sociais diferentes, acreditavam num modelo de sociedade justa, um parâmetro não existente de relações entre os indivíduos naquela época. 8

“Pela primeira vez desde que o mundo era mundo, ouviu-se com tamanha intensidade o grito dos oprimidos e dos injustiçados.” (Pinsky, 2006, 27)

O Antigo Testamento nos conta de um Deus que “ouve o clamor do pobre”, “um Deus que se levanta para auxiliá-lo” e mais do que isso: um
Deus que legislou a favor deles, garantindo-lhes direitos e condenando severamente a quem pervertesse e tripudiasse os seus direitos. Esse é um legado que o monoteísmo ético dos judeus nos deixa e nos faz refletir sobre relações justas e cidadania. Esses profetas rompem com o Deus do templo, qualquer Deus engessado, distante, e criam o Deus da Cidadania.

“Por causa da opressão dos pobres, e do gemido dos necessitados, levantar-me-ei agora, diz o Senhor; porei em segurança quem por ela suspira”. (Sl 12. 5, NVI)





A idéia de cidadania nasce na Grécia

Na Grécia eram considerados cidadãos somente aqueles que estivessem em condições de opinar sobre os rumos das cidades-estados. Mas, quem estava nessas condições? Somente um homem livre, que não necessitasse trabalhar para sobreviver, uma vez que o envolvimento nos negócios públicos exigia dedicação integral. Desta forma, o número de cidadãos era muito reduzido, que excluíam além dos homens trabalhadores tais como comerciantes e artesãos, as mulheres, os escravos e os estrangeiros. Praticamente apenas os proprietários de terras eram livres para ter o direito de decidir sobre o governo. A cidadania grega era entendida apenas por direitos políticos, identificados com a participação nas decisões sobre a coletividade.

Pertencer à comunidade da cidade-estado não era, portanto, algo de pouca monta, mas um privilegio guardado com zelo, cuidadosamente vigiado por meio de registros escritos e conferidos com rigor. 9
Como já ressaltava o filosofo grego Aristóteles, fora da cidade-estado não havia indivíduos plenos e livres, com direitos e garantias sobre sua pessoa e seus bens. Pertencer à comunidade era participar de todo um ciclo próprio da vida cotidiana, com seus ritos, costumes, regras, festividades, crenças e relações pessoais.” (GURINELLO, 2006:35)

Um fator importante de se observar é o caráter excludente da cidadania, muito diferente do que compreendemos hoje. Apenas uma classe de cidadãos podia exercer a plenitude da cidadania havendo até mesmo uma divisão censitária; é a partir das reformas de Clístenes (509 a.c.), que a cidadania passará a ser estendida a todos os cidadãos, inclusive com o exercício de cargos públicos. Contudo, é preciso enfatizar que são cidadãos os homens livres e abastados.

A igualdade é resultado da organização humana, que por intermédio das instituições, busca igualar as diferenças, este é o caso da polis, que tornava os homens iguais através da lei, não ter o acesso à esfera pública equivalia à perda da igualdade. Assim o indivíduo, destituído da cidadania e submetido à esfera privada, não usufruía os direitos, vinculada às atividades de sobrevivência do indivíduo, a esfera privada, era o espaço de sujeição da mulher, do escravo e dos filhos, todos, destituídos de direitos, ficavam sob o domínio despótico do chefe de família.

È importante lembrar que o Estado à época de Roma e Grécia, se podemos assim chamá-los, não tinha a feição que hoje lhe é conferida; era na verdade, mais um prolongamento da família, pois esta era a base da sociedade, indivíduo encontrava-se completamente absorvido pela Cidade- Estado.

Um cidadão Romano

Em Roma, assim como na Grécia, cidadania era compreendida como a capacidade para exercer direitos políticos e civis, distinguindo entre os que possuíam essa qualidade e os que não a possuíam. Desta forma a cidadania romana era atribuída somente aos homens livres, mas nem todos os homens livres. Em Roma existiam três classes sociais: os patrícios que se agrupavam
10 em grandes famílias, conhecidas como gentes e que descendiam, segundo eles, dos fundadores de Roma, eram uma oligarquia de proprietários rurais e que mantinham o monopólio dos cargos públicos e mesmo os religiosos.
Segundo FUNARI, (2006: 50) “eram, assim, os únicos cidadãos de pleno direito”.
Os plebeus nasceram como grupo na luta contra os privilégios dos patrícios (vemos aqui um componente importante da cidadania, a luta de movimentos organizados por direito plenos) usava-se este termo para englobar todos os cidadãos romanos sem os mesmos direitos dos oligarcas. Eram os camponeses livres e pobres, artesãos urbanos, comerciantes e também descendentes dos estrangeiros residentes em Roma. Os escravos prisioneiros de guerra e os que não saldavam suas dívidas até o século II a.C, eram basicamente domésticos, sendo propriedade do patriarca e faziam parte da família, muitas vezes a pobreza dos camponeses e trabalhadores urbanos podia levá-los a escravidão por dívida. Havia também os clientes, “aquele que obedecem a um patrício” que mantinham uma relação de fidelidade ao patrono, a quem deviam apoio e de quem recebiam terra e proteção. Podiam até mesmo ganhar independência e passar a integrar a plebe, mas, o contrário podia acontecer também, um plebeu tornar-se cliente, mas isso não era comum.

Os plebeus apesar de homens livres, não eram considerados cidadãos, privilégio exclusivo dos patrícios, que gozavam de todos os direitos políticos, civis e religiosos. Isso foi motivo para várias lutas internas, entre patrícios e plebeus. O Rei Sérvio Túlio promoveu uma reforma dando aos plebeus acesso ao serviço militar e lhes assegurando alguns direitos políticos. Mas somente com a elaboração da famosa Lei das Doze Tábuas, em 450 a.C e que foi assegurada aos plebeus uma maior participação política, devido à expansão militar romana.

“Os conflitos internos na sociedade romana tornaram-se mais evidentes a partir da Republica, quando os romanos passaram a guerrear em outras cidades sem a retaguarda etrusca monárquica. O poder de barganha da plebe aumentava, uma vez que o exército passou a depender cada vez mais dos soldados plebeus, tanto cavaleiros não patrícios quanto infantes. Isso resultou 11 nas chamadas “secessões” da plebe, que ameaçavam abandonar a defesa da cidade se os patrícios não concedessem direitos civis. Os dois grandes episódios do gênero foram em 494 e 449 a.C, abrindo caminho para conquistas da cidadania.” (FUNARI, 2006:52)

No Direito Romano fazia uma regulação das diferenças entre cidadãos e não-cidadãos, o direito civil regulamentava a vida do cidadão, ou seja, patrícios, e o direito estrangeiro era aplicado a todos os habitantes do império que não eram considerados cidadãos, pebleus, clientes e escravos.

Em 212 d.C., Caracalla, na célebre Constitutio Antoniniana, concedeu a cidadania a quase todos os habitantes do Império. As exceções que subsistiram desapareceram com Justiniano.

Percebemos que o Direito Romano, apesar de proteger as liberdades individuais e reconhecer a autonomia da família não assegurava a entre os homens, admitindo a escravidão e discriminando os despossuídos. Ao lado da desigualdade extrema entre homens livres e escravos, o Direito Romano admitia a desigualdade entre os próprios indivíduos livres, institucionalizando a exclusão social.
Contudo, as lutas populares, tanto de plebeus, como de escravos para assegurar direitos de cidadania abriram espaço para praticas que serão consolidadas na sociedade moderna.

Tempos das Trevas, uma incubadora para a cidadania moderna
Na Idade Média, ocorrem profundas alterações nas estruturas sociais, sendo esta marcada por uma sociedade com uma rígida hierarquia de classes sociais: clero, nobreza e servos (também os vilões e os homens livres).
A Igreja Católica Apostólica Romana passou a ser instituição básica do processo de transição para o período medieval. As relações cidadão-Estado, antes reguladas pelo Império Romano, agora decadente, passam a ser controlada pelos ditames da Igreja Católica, religião oficial do Império. A doutrina católica, ao alegar a liberdade e igualdade de todos os homens e a
12 unidade familiar, provocou transformações radicais nas concepções de direito e de estado.

O desmoronamento das instituições políticas romanas e o fortalecimento do catolicismo romano desembocaram numa reestruturação social que originou o feudalismo. O feudalismo caracterizava-se por uma sociedade de forma piramidal e relações de dependência pessoal, abrangendo em sua cúpula rei e suserano e, em sua base, essencialmente, o campesinato.

E uma forte ligação com a terra como fonte de origem social. A forma com que um homem estava ligado a terra determinava sua condição social.
Essa relação de dependência pessoal de obrigações mútuas originava-se de ato sacramental e solene e que apresentava duas vertentes: o vassalo, em troca de proteção e segurança, inclusive econômica, oferecia fidelidade, trabalho e auxílio ao suserano, que, reciprocamente, investia o vassalo no benefício, elemento real e econômico dessa relação feudal.
Na idade média, em razão das estruturas hierarquizadas das classes sociais, o princípio da cidadania dilui-se. O relacionamento entre senhores e vassalos dificultava bastante a definição desse conceito. O homem medieval, ou era vassalo, ou servo, ou suserano; jamais foi cidadão. Os princípios de cidadania e de nacionalidade dos gregos e romanos estariam “suspensos” e seriam retomados com a formação dos Estados modernos, a partir de meados do século XVII.

O advento do capitalismo e a idade moderna

Com o fim do feudalismo e a ocorrência da formação dos Estados nacionais, a sociedade, ainda formada e organizada em clero, nobreza e povo, volta a ter uma centralização do poder nas mãos do rei, cuja autoridade abrangia todo o território e era reconhecida como legal pelo povo. Língua, cultura e ideais comuns auxiliaram a formação desses Estados Nacionais.
Estamos no advento do absolutismo, incrementado pela Reforma Protestante.
13
(...) A Revolução Protestante contribuiu consideravelmente para o incremento da onipotência real. Ela rompeu a unidade da Igreja Cristã, aboliu a supremacia papal sobre os governantes seculares, fomentou o nacionalismo, reviveu a doutrina do apostolo Paulo de que “as autoridades constituídas são determinadas por Deus” e estimulou os governantes da Europa setentrional a estender sua autoridade sobre assuntos religiosos, tanto quanto sobre os civis” (MacNall. 1989: 425-426).

A Revolução Protestante, a Revolução Industrial, o nascimento de uma nova classe e de um novo modo de produção, mudam a face da Europa.
Mesmo com governos absolutistas, a aristocracia ainda tinha muita força, o que impedia a nova classe a liberdade necessária para ampliação de seu mercado e de seu novo modo de vida que distava do modo de vida da nobreza que era baseado no ócio e prazeres.

“Entretanto, o indiscutível ponto de partida para o desenvolvimento dos direitos de cidadania tem sua localização no século XVIII. Foi quando um país se envolveu naquela que é considerada a primeira revolução burguesa da história. Falamos aqui, é claro, da Revolução Inglesa. Uma revolução que se inicia em 1640 e tem sua conclusão quase meio século depois, em 1688, dando origem ao primeiro país capitalista do mundo. (MONDAINI, 2006: 116)

Inicia-se um sério questionamento das distorções e privilégios que a nobreza e clero insistiam em manter sobre o povo. Desenvolve-se a noção de indivíduo, a revolução industrial incrementa a ciência e o rompimento com a hegemonia da Igreja Católica e seus ditames levam a sociedade a um crescente afastamento da religiosidade e rumo à secularização.

“Os processos de secularização, racionalização e individualização foram jogando por terra o tradicionalismo embutido na milenar percepção teológica das coisas, alimentada pela Igreja Católica Romana.” (MONDAINI, 2006:115).

Não podemos esquecer da Revolução Francesa em 1789 e a Americana 1776 como fatores decisivos para fundamentação dos princípios de
14 cidadania que teremos hoje, todas elas ocorridas no século XVIII, o século do
Iluminismo.
A partir de então, a legitimidade de uma sociedade hierarquizada fundada em privilégios de nascença perdeu força, começam a despontar figuras que marcariam a História da cidadania, como Rousseau, Montesquieu,
Diderot, Voltaire e outros. Esses pensadores passam a defender um governo democrático, com ampla participação popular e fim de privilégios de classe e ideais de liberdade e igualdade como direitos fundamentais do homem e tripartição de poder. Essas idéia dão o suporte definitivo para a estruturação do Estado Moderno.
Liberdade, igualdade e fraternidade. São esses os direitos que vão sintetizar a natureza do novo cidadão. Essas ideais, esse pensamento este desejo não nasceram do nada, eles nascem de uma sociedade especifica, com sua estrutura sociopolítica, cultural e econômica e também não se originam de um dia para o outro. A revolução não foi simplesmente a obra de alguns homens do século XVIII, mas sim a culminância de um processo histórico. O mérito da Revolução a acerelou.

As modernas nações, governos e instituições nacionais surgiram a partir de monarquias nacionais formadas pela centralização ocorrida no desenrolar da Idade Moderna. Desde o momento em que o Estado moderno começa a se organizar, surge a preocupação de definir quais são os membros deste Estado, e, dessa forma, a idéia atual de nacionalidade e de cidadania só será realmente fixada a partir da Idade Contemporânea.

Quando falamos, escrevemos ou pensamos sobre cidadania, jamais podemos olvidar que ela é uma lenta construção que se vem fazendo a partir da Revolução Inglesa, no século XVIII, passando pela Revolução Americana e
Francesa e, muito especialmente, pela Revolução Industrial, por ter sido este que trouxe uma nova classe social, o proletariado, à cena histórica. Herdeiro da burguesia, o proletariado não apenas dela herdou a consciência histórica do papel de força revolucionaria como também buscou ampliar nos séculos XIX e
XX, os direitos civis que ajudou a burguesia a conquistar por meio da Revolução Francesa. Ampliando o leque de possibilidades para as chamadas minorias. Contudo essa história ainda se escreve. 15

A história da cidadania mostra bem como esse valor encontra-se em permanente construção. A cidadania constrói-se e conquista-se. É objetivo perseguido por aqueles que anseiam por liberdade, mais direitos, melhores garantias individuais e coletivas frente ao poder e a arrogância do Estado. A sociedade ocidental nos últimos séculos andou a passos largos no sentido das conquistas de direitos de que hoje as gerações do presente desfrutam.

O exercício da cidadania plena pressupõe ter direitos civis, políticos e sociais e estes, se já presentes, são fruto de um longo processo histórico que demandou lágrimas, sangue e sonhos daqueles que ficaram pelo caminho, mas não tombados, e sim, conhecidos ou anônimos no tempo, vivos no presente de cada cidadão do mundo, através do seu “ir e vir”, do seu livre arbítrio e de todas as conquistas que, embora incipientes, abrem caminhos para se chegar a uma humanidade mais decente, livre e justa a cada dia.

Bibliografia

EMILIANO, Jose. História da Cidadania – Uma trilha de lágrimas. Site Pessoal:
Salvador, jul. 2003. Disponível em http://www.emilianojose.com.br/artigos.php.
Acesso em 7/12/2006.
KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denise M. F. História do Brasil. 6.ed. São Paulo:
Atual, 1993.
PEDRO, A.; CÁCERES, F. História Geral. 2.ed. São Paulo: Moderna, 1996.
PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla Bassanezi. História da Cidadania (orgs) – São
Paulo: Contexto, 2006.


Parte do trabalho de Cidadania apresentado na UERJ 2009 pelos alunos: Cândida Maria Ferreira da Silva, Luciene Souza Matias, Michele Nunes de Morais e Daniel de Paula Affonso 

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