Eu

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sábado, 21 de fevereiro de 2015

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO


“Quem escreverá a história do que poderia ter sido o irreparável do meu passado;
Este é o cadáver.
Se a certa altura eu tivesse me voltado para a esquerda, ao invés que para direita;
Se em certo momento eu tivesse dito não, ao invés que sim;
Se em certas conversas eu tivesse dito as frases que só hoje elaboro; Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria insensivelmente levado a ser outro também."
Fernando Pessoa

Minha reflexão não é nova, bem acho que não existe nada novo no mundo, a gente sempre recebe um estimulo de algo que ouviu, viu, leu, uma mensagem que foi passada, um pensamento já pensado. Eu não digo nada novo. Muitas pessoas já falaram sobre o que eu quero refletir com muita propriedade e quem sabe muito melhor do que eu. Não sou Frei Betto e nem Ricardo Gondim.
Esse pensamento, foi bem elaborado em uma mensagem de Caio Fabio (outro que escreve de forma excelente e que nem poderia me comparar), ou seja, de se estar preso em algum lugar do seu passado.
Para usar de forma mais literal seu pensamento, de se estar no tempo presente, mas, a alma estar no passado. Presa a sensações, a traumas, a sentimentos, a fatos acontecidos sejam eles bons ou maus que nos mantêm paralisados em algum lugar do passado de tal forma que não vivemos, como bem disse o Caio, a Graça do presente.
Nesse momento que estou escrevendo, olhando para trás, vejo quantas prisões me mantêm emocionalmente presa ao meu passado, impedindo que viva a Graça do hoje.
É interessante, porque quem lembra do relato dos discípulos no caminho de Emaús, já é domingo, Jesus ressuscitou, está ali com eles, mas, eles estão presos na sexta-feira, no dia de sua morte. Só depois de vê-lo partir o pão e que seus olhos se abrem e se apercebem que Ele estava ali o tempo todo.
Ao ver partir o pão seus olhos foram abertos e O conheceram (Luc. 24.30-31), assim retirados do seu passado os discípulos puderam ver a Graça do hoje, Cristo vivia e vive.
Viver no passado é uma escolha. Pode ser cômodo viver no passado, porque lamentando ou culpado o que já foi não se enfrenta o que se é hoje. Pense comigo: eu não preciso me esforçar para enfrentar o dia de hoje e cada dia de hoje com seu mal, porque eu vivo a lamentar e culpar meu passado em que estou presa pelo dia de hoje. Quando chegar amanhã, lamentarei novamente o dia de ontem, onde nada fiz para mudar, culpando minha paralisia pelo meu passado. E assim vivemos num círculo vicioso em que o passado, esse peso morto, essa bola de toneladas acorrentada aos nossos pés não nos permite andar.
Mas, não apenas, andar ou fazer. Também não nos permite ouvir. Nós não ouvimos, assim como não vemos com nossos ouvidos ou olhos, mas, com nossa alma. Tudo o que você vê e ouve, passa pela sua alma e se ela estiver presa no passado você verá, ouvirá e compreenderá todas as coisas por esse passado e não por este presente.
Quantas coisas você viu e ouviu que eram hoje e compreendeu como ontem? Como ontem da rejeição, do abandono, dos maus-tratos, dos abusos, das traições, das derrotas, dos seus próprios erros, das humilhações, das desilusões, das decepções por vezes tão amargas.
Por vezes lidamos com pessoas ao nosso redor que vivem eternamente ontem e por outras nós mesmos somos os que vivemos no ontem.
Quero chamar atenção para os discípulos de Emaús mais uma vez que pelo caminho falando do ontem, não percebem Jesus falando do hoje, mas os seus olhos são abertos “no repartir do pão”.
O repartir do pão é “o corpo que é partido por vós”, é a Graça inefável, incomparável, sem preço, do nosso resgate de condenação espiritual e do resgate do nosso passado seja ele qual for.
O que quer que tenha sido ontem: o “corpo partido”, “o sangue vertido”, a “ressurreição”, a Graça escandalosamente louca de Deus nos resgata completamente, nos pacifica, nos cura, nos restaura.
Ela obviamente envolve perdão, porque a Graça nos perdoa incondicionalmente e nos convida a perdoar incondicionalmente aos outros e até a nós mesmos. Sim, porque por vezes somos algozes tenazes de nós mesmos. Sem perdão estamos em prisões. (Mateus 18. 33-35)
Mas, a Graça solta nossas cadeias por mais antigas, fortes, impossíveis que imaginamos ser, a Graça de Cristo nos liberta. Porque a Cruz também é libertação. O “pão partido por vós” é libertação da condenação e da morte em que vivíamos, para liberdade e vida, das trevas em que nos afogávamos para o mergulho na limpidez da Luz de Deus!
Por isso Paulo podia dizer: “Mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim. Filipenses 3. 13b”
Paulo sabia o que era o passado dele: perseguidor, assassino dos irmãos, depois perda de status com sua conversão, prisões, lutas, cadeias, maus-tratos, perseguições implacáveis eram a vida desse servo de Deus, mas, inundado pela Graça, ele deixava tudo para trás para seguir adiante, vivendo o hoje em Cristo construindo o futuro com Cristo. No caso especifico deste texto, Paulo prosseguia para o prêmio da soberana vocação: estar com Cristo afinal.
Não existe formula magica, não existe um “encontro”, “uma unção”, “uma oração”, “uma campanha”, “uma novena”, “uma cobertura espiritual”, “uma benção de um ungido” …Desculpe lhe decepcionar não existe caminho fácil para quem caminha com Cristo. Nem pra você e muito menos pra mim!
É preciso conscientizar-se de que se está no passado e consciente de que estamos nele, reconhecer o que nos prende à ele, com a ajuda do Espirito Santo de Deus que traz a luz TODAS as coisas. Perdoar, perdoar, perdoar, perdoar, perdoar, perdoar…perdoar-se...
Reconhece-ser-mo-nos incapazes de nos curar e levar diante de Deus nossa prisão, nossas correntes que tão firmemente nos prendem e permitir que a Graça “do pão partido” abra os nosso olhos e vejamos o hoje.
O hoje que é de ressurreição, da morte vencida, da esperança, da vida abundante, da Graça Inefável, da Maravilhosa Luz em que somos mergulhados pela fé em Cristo, Àquele que partiu seu corpo e derramou seu sangue para nos libertar!
Que possamos fazer nossa a oração de Ezequiel: “Senhor, por estas coisas se vive, e em todas elas está a vida do meu espírito, portanto cura-me e faze-me viver.” (Isaías 38. 16).
Que o Senhor assim nos traga para o dia de HOJE em sua terna Presença.
n’Ele que HOJE VIVE

Candida Maria /2015

Um comentário:

  1. A sua percepção desta realidade em nossas vidas, ou seja, a contingência humana adâmica, além de pertinente e profunda, tem uma visão filosófica interessante.
    Ao ler e pensar na minha vida, fiquei me perguntando se, e onde, eu estou vivendo preso as coisas passados, esquecendo-me de vivenciar e experimentar o presente em sua totalidade.
    Parabéns pelo artigo...

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